domingo, 11 de agosto de 2013

Os 23 dias que abalaram a FACED

Culpadas!

Esse é o veredicto da surpreendente ação protagonizada pelo Movimento Estudantil da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), encabeçada por perigosas estudantes do curso de Pedagogia da FACED (Faculdade de Educação). A acusação que repousa sobre elas? Formação de quadrilha. Sim! Uma perigosa quadrilha, munida de armamento pesado: cultura, diversão e arte.

Não está entendendo nada? Tá. Então vamos explicar.

1)      Antecedentes:

Toda universidade tem problemas com espaços estudantis. Isso não é, nem nunca foi novidade. A luta por espaços estudantis é pauta permanente do M.E., e sempre constitui uma bandeira politizadora, que traz consigo um importante debate sobre o caráter do ensino universitário.

Na FACED-UFRGS isso não foi diferente. O DAFE (Diretório Acadêmico de Pedagogia) nunca teve um espaço digno para comportar sua demanda por vivência e integração entre os estudantes. A entidade sempre foi alocada em salinhas pequenas, onde mal dava para as gestões do diretório se reunirem.

E enquanto isso, bem ao lado do saguão da faculdade (ali, bem debaixo do nariz de todo mundo), um espaço que outrora havia sido cedido para uma lanchonete [falida e endividada] servia como depósito de materiais descartados. Diante desse descaso, o DAFE resolveu agir. E não foi pra menos: primeiro fez um abaixo-assinado pela cessão do espaço ao diretório, recolheu apoio de professores, se manifestou publicamente. E a diretoria da FACED? Fez que não era com ela.

Perante o silêncio e a inércia da burocracia universitária, só restou uma opção às estudantes da Pedagogia: ocupar aquilo que, no fundo, sempre foi delas.

2)      A quadrilha

No dia 10/07, no ritmo de festa junina, ao sabor de salgadinhos, refrigerantes e leitinhos, vestido de camisa xadrez e chapéu de palha, o vandalismo tomou conta da FACED. Segue o vídeo de como foram os primeiros minutos de ocupação do espaço: http://youtu.be/gxGlrlpHAUo

Pois é. Quem disse que o M.E. precisa ser sisudo e careta? A quadrilha impôs à ocupação o clima que ela teria nos próximos 23 dias: cultura, diversão e arte. Porque é assim que deve ser um espaço de vivência construído por estudantes: plural e democrático. Nesse tempo todo, o DAFE tomou o cuidado de aliar pluralidade com organização impecável, de forma a tornar o espaço habitável e construído coletivamente não só pela estudantada da FACED, mas também por outras entidades estudantis da UFRGS.



Ressalte-se a importante atuação de militantes do DCE (Diretório Central dos Estudantes) e da APG (Associação de Pós-Graduandos) que não arredaram pé da luta, sempre ao lado da galera da Pedagogia. Outros CA's e DA's também deram total apoio ao movimento, como o DAECA (DA de Economia), o CHIST (CA de História),o CECS (CA de C.Sociais), o DAQ (DA de Química), dentre outros. Essas entidades, junto do DAFE, foram responsáveis por fomentar incansáveis debates políticos nas assembleias e nos fóruns da ocupação, tornando o espaço um verdadeiro laboratório de Movimento Estudantil.

Entre um debate e outro, atividades das mais diversas possíveis. De oficinas de dança, a oficinas de cerâmica. Do ping-pong, à visita de professores de outros países e estudantes de outras universidades e outros estados. Dos almoços coletivos em conjunto com os funcionários terceirizados da universidade e com a ASSUFRGS (sindicato dos servidores da UFRGS), à visita do cartunista Latuff – que deixou seu apoio irrestrito ao movimento. Ao invés de ficar listando o que rolou em 23 dias de mobilização, é mais fácil perguntar o que não rolou...


Latuff dando um salve de apoio ao movimento

Charge do Latuff

Bixetes do 2º semestre sendo recebidas no espaço

Funcionários terceirizados da universidade jogando um ping-pong na frente da ocupação

Debate do Grupo de Estudos feministas das estudantes da Letras da UFRGS

Apresentação musical na ocupação


3)      O desfecho: VITÓRIA

Na última quinta-feira (01/08), a galera deu início à desocupação do espaço. O movimento  conquistou uma importante vitória parcial e celebrou junto à direção da FACED um acordo que concede o empréstimo do espaço ao DAFE pelo período 90 dias. De fato, a oficialização ainda precisa ser deliberada pelo Consuni (Conselho da Universidade). Entretanto, caso o Conselho não delibere a cessão definitiva, o empréstimo poderá ser renovado pela FACED. O acordo foi firmado em ato realizado na própria ocupação, e recebeu a tão aguardada assinatura da diretora Simone Valdete dos Santos, que acabou por reconhecer a vitória do movimento.

Ato público para assinatura conjunta do termo de empréstimo do espaço em 01/08

Gurias do DAFE celebrando termo junto à diretora da FACED, Simone Valdete dos Santos

E, bem... Como o movimento terminou? Assim como começou: em ritmo de festa junina. A luta ainda vai continuar. Nos próximos meses o DAFE tem o desafio de manter o espaço em pé, habitado e com atividades políticas e culturais.

Segue a carta final, elaborada pelos ocupantes:

Apenas começamos...

“Do rio que tudo arrasta se diz violento, porém ninguém diz violentas as margens que o comprimem.” Bertolt Brecht

Na manhã do dia 10 de julho de 2013 iniciou-se a ocupação do espaço anteriormente locado ao Café FACED. Vinte e três dias se passaram desde a festa junina que marcou a entrada em “quadrilha” na sala que, naquele momento, servia de depósito para materiais já sem uso.
De lá para cá fizemos desse espaço ocioso um lugar vivo: repleto de formação, cultura, diversão e arte. As portas que se abriram trouxeram ventos que varreram a poeira do conservadorismo, muros foram derrubados, o marasmo deu lugar à alegria. É esse o sentido pedagógico da ação de ocupação, tantas vezes mal compreendida ou caluniada.

Hoje assinamos publicamente o acordo entre o Diretório Acadêmico da Faculdade de Educação (DAFE) e a Direção da FACED que permite a desocupação deste espaço. Chegar até ele não foi fácil, uma vez que ele ainda não contempla o objetivo principal do movimento estudantil da UFRGS: a cessão definitiva do espaço ao DAFE, que tem o compromisso de abrigar na sua sede um espaço livre para atividades de formação e todas as formas de manifestação artístico-culturais da comunidade. Este acordo foi a mediação possível no atual momento, para que o diálogo ganhe novo fôlego e a democracia frágil de até então ganhe nova chance de prosperar.

Utilizaremos o empréstimo formalizado hoje como o laboratório da práxis, que provará na prática a capacidade de organização dos estudantes; que mostrará a todos como funciona um espaço verdadeiramente aberto; que realizará no presente aquilo que queremos para o futuro. Essa é a vitória parcial que hoje conquistamos.

Entretanto, sabemos que a verdadeira vitória somente se dará com a cessão definitiva do espaço ao DAFE. Nossa campanha por essa formalização seguirá e apresentaremos nossa proposta e intenções para todas as pessoas e em todos os lugares. Mais do que isso, exigimos e seguimos demandando uma ampliação cada vez maior do debate público. Dele não nos furtaremos e não o tememos.
Cumpridos.

Estaremos vigilantes para que os compromissos assumidos sejam plenamente.

Lutar também é educar! ‪#‎OcupaFACED

“[...] todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje [...]. Temos de saber o que fomos para saber o que seremos.” Paulo Freire

Gurizada finalizando o período de ocupação em ritmo de festa junina

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