domingo, 28 de março de 2010

A reforma sanitária dos Estados Unidos

Divulgamos aqui mais uma vez as reflexões do companheiro Fidel Castro que, de forma consistente, elabora minuciosa análise e crítica do capitalismo, em principal das políticas imperialistas estadunidenses.



BARACK Obama é um fanático crente do sistema capitalista imperialista imposto pelos Estados Unidos ao mundo. "Deus abençoa os Estados Unidos", conclui seus discursos.

Alguns de seus fatos feriram a sensibilidade da opinião mundial, que viu com simpatias a vitória do cidadão afro-americano frente ao candidato de extrema direita desse país. Apoiando-se numa das mais profundas crises econômicas que conheceu o mundo, e na dor causada pelos jovens norte-americanos que morreram ou foram feridos ou mutilados nas guerras genocidas de conquistas de seu predecessor, obteve os votos da maioria de 50% dos norte-americanos que acodem às urnas nesse democrático país.

Por elementar sentido ético, Obama deveu abster-se de aceitar o Prêmio Nobel da Paz, quando já tinha decidido o envio de 40 mil soldados a uma guerra absurda no coração da Ásia.

A política militarista, o saque dos recursos naturais, o intercâmbio desigual da atual administração com os países pobres do Terceiro Mundo, em nada se diferencia da de seus antecessores, quase todos da extrema direita, com algumas exceções, ao longo do século passado.

O documento antidemocrático imposto na Cúpula de Copenhague à comunidade internacional — que acreditara na sua promessa de cooperar na luta contra a mudança climática — foi outro dos fatos que desenganaram muitas pessoas no mundo. Os Estados Unidos, o país maior emissor de gases de efeito estufa, não estavam dispostos a realizar os sacrifícios necessários, apesar das palavras lisonjeiras prévias de seu presidente.

Seria interminável a lista de contradições entre as ideias que a nação cubana defende com grandes sacrifícios durante meio século e a política egoísta desse império colossal.

Apesar disso, não sentimos nenhuma animadversão por Obama, e muito menos pelo povo dos Estados Unidos. Consideramos que a Reforma da Saúde constitui uma importante batalha e um sucesso de seu governo. Não obstante, parece algo realmente insólito que 234 anos depois da Declaração de Independência, na Filadélfia, em 1776, inspirada nas ideias enciclopedistas francesas, o governo desse país aprovasse o atendimento médico para a imensa maioria de seus cidadãos, coisa que Cuba conseguiu para toda sua população há mais de meio século, apesar do cruel e desumano bloqueio imposto e ainda vigente por parte do país mais poderoso que jamais existiu. Antes, depois de quase um século de independência e sangrenta guerra, Abraham Lincoln conseguiu a liberdade legal dos escravos.

Não posso, por outro lado, deixar de pensar num mundo onde mais de um terço da população não tem atendimento médico e os medicamentos essenciais para garantir sua saúde, situação que se agravará na medida em que a mudança climática, a escassez de água e de alimentos sejam maiores, num mundo globalizado onde a população cresce, os bosques desaparecem, a terra agrícola diminui, o ar se torna irrespirável, e a espécie humana que o habita — que emergiu há menos de 200 mil anos, ou seja 3,5 bilhões de anos depois que surgiram as primeira formas de vida no planeta — corre o risco real de desaparecer como espécie.

Admitindo que a reforma sanitária significa um sucesso para o governo de Obama, o atual presidente dos Estados Unidos não pode ignorar que a mudança climática significa uma ameça para a saúde e, pior ainda, para a própria existência de todas as nações do mundo, quando o aumento da temperatura — além dos limites críticos que são visíveis— dilua as águas gélidas das calotas polares, e dezenas de milhões de quilômetros cúbicos armazenados nas enormes camadas de gelo acumuladas na Antártida, Groenlândia e Sibéria degelem numas poucas dezenas de anos, inundando todas as instalações portuárias do mundo e as terras onde hoje vive, se alimenta e trabalha grande parte da população mundial.

Obama, os líderes dos países ricos e seus aliados, seus cientistas e centros sofisticados de pesquisas sabem disso; é imposível que o ignorem.

Compreendo a satisfação com que se expressa e reconhece, no discurso presidencial, a contribuição dos membros do Congresso e da administração que tornaram possível o milagre da reforma sanitária, o qual fortalece a posição do governo face a lobistas e mercenários da política, que limitam as faculdades da adminitração. Seria pior se os que protagonizaram as torturas, os assassinatos por contrato e o genocídio ocupassem novamente o governo dos Estados Unidos.


Como pessoa incontestavelmente inteligente e suficientemente bem informada, Obama sabe que não exagero nas minhas palavras. Espero que as tolices que, às vezes, expressa sobre Cuba não obnubilen sua inteligência.

Depois do sucesso nesta batalha pelo direito à saúde de todos os norte-americanos, 12 milhões de imigrantes, em sua imensa maioria latino-americanos, haitianos e de outros países do Caribe, reclaman a legalização de sua presença nos Estados Unidos, onde realizam os trabalhos mais duros e dos quais a sociedade norte-americana não pode prescindir, na qual são presos, afastados de suas famílias devoltos a seus países.

A imensa maioria emigrou para a América do Norte como consequência das tiranias impostas pelos Estados Unidos aos países da área e da brutal pobreza à qual foram submetidos como consequência do saque de seus recursos e do intercâmbio desigual. Suas remessas familiares constituem uma elevada porcentagem do PIB de suas economias. Esperam agora um ato de justiça elementar. Se ao povo cubano foi imposta uma Lei de Ajuste, que promove o roubo de cérebros e o despojo de seus jovens instruídos, por que são empregues métodos tão brutais com os imigrantes ilegais dos países latino-americanos e caribenhos?

O devastador terremoto que açoitou o Haiti — o país mais pobre da América Latina, que acaba de sofrer uma catástrofe natural sem precedentes que deixou um saldo de mais de 200 mil óbitos — e o terrível prejuízo econômico que outro fenômeno similar ocasionou no Chile, são provas eloquentes dos perigros que ameaçam a chamada civilização e a necessidade de drásticas medidas que outorguem à especie humana a esperança de sobreviver.

A Guerra Fria não trouxe nenhum benefício para a população mundial. O imenso poder econômico, tecnológico e científico dos Estados Unidos não pode sobeviver à tragédia que paira sobre o planeta. O presidente Obama deve procurar no seu computador os dados pertinentes e dialogar com seus cientistas mais eminetes; ele constatará quão longe está seu país de ser o modelo que apregoa para a humanidade.

Por ser afro-americano, ali sofreu as afrontas da discriminação, segundo narra em seu livro Os sonhos de meu pai; ali conheceu a pobreza em que vivem dezenas de milhões de norte-americanos; ali educou-se, mas ali também desfrutou como profissional bem-sucedido os privilégios da classe média rica, e terminou idealizando o sistema social, onde a crise econômica, as vidas dos norte-americanos inutilmente sacrificadas e seu indiscutível talento político lhe deram a vitória eleitoral.

Apesar disso, para a direita mais recalcitrante, Obama é um extremista, que ameaçam de continuar travando a batalha no Senado para neutralizar os efeitos da reforma e sabotá-la abertamente em vários Estados da União, declarando inconstitucional a Lei aprovada.

Os problemas da nossa epoca são ainda muito mais graves.

O Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e outros organismos internacionais de créditos, sob controle estrito dos Estados Unidos, permitem que os grandes bancos norte-americanos — criadores dos paraísos fiscais e responsáveis pelo caos financeiro no planeta — sejam trazidos à superfície pelos governos desse país em cada uma das frequentes e crescentes crises do sistema.

A Reserva Federal dos Estados Unidos emite à vontade as moedas conversíveis que finaciam as guerras de conquista, os lucros do Complexo Militar-Industrial, as bases militares espalhadas por todo o mundo e os grandes investimentos de multinacionais que controlam a economia em muitos países do mundo. Nixon suspendeu unilateralmente a conversão do dólar em ouro, enquanto nos Bancos de Nova Iorque se guardam sete mil toneladas de ouro, pouco mais do 25% das reservas mundiais desse metal, cifra que no fim da 2ª Guerra Mundial ultrapassava 80%. Argumenta-se que a dívida pública é de acima de US$10 trilhões, o que excede 70% do seu PIB, como uma carga que é transferida para as novas gerações. Isto afirma-se quando, na verdade, quem paga essa dívida é a economia mundial, com enormes gastos em bens e serviços que oferece para adquirir dólares norte-americanos, com os quais as grandes multinacionais desse país se apropriaram de uma parte considerável das riquezas do mundo e sustentam a sociedade de consumo dessa nação.

Qualquer um compreende que tal sistema é insustentável e por que os setores mais ricos nos Estados Unidos e seus aliados no mundo defendem um sistema apenas sustentável com a ignorância, as mentiras e os reflexos condicionados criados na opinião mundial através do monopólio da mídia, incluídas, as redes principais da internet.

Hoje tudo isto colapsa diante do avanço acelerado da mudança climática e suas funestas consequências, que colocam a humanidade ante um dilema excepcional.

As guerras entre as potências não parecem ser neste momento a solução possível para estas grandes contradições, como o foram até a segunda metade do século 20; mas, ao mesmo tempo, têm incidido de tal forma nos fatores que tornam possível a sobrevivência humana, que podem pôr fim prematuramente à existência da atual espécie inteligente que habita nosso planeta.

Há alguns dias, expressei minha convicção de que, à luz dos conhecimentos científicos que hoje se dominam, o ser humano deverá resolver seus problemas no planeta Terra, já que jamais poderá percorrer a distância entre o Sol e a estrela mais próxima, situada a quatro anos luz, velocidade que equivale a 300 mil quilômetros por segundo — como sabem nossos alunos de ensino secundário — se ao redor desse Sol existisse um planeta parecido com nossa bela Terra.

Os Estados Unidos investem avultadas quantias para comprovar se no planeta Marte há água, e se existiu ou existe alguma forma elementar de vida. Ninguém sabe para quê, a não ser por curiosidade científica. Milhões de espécies desaparecem a ritmo crescente em nosso planeta e suas fabulosas quantidades de água constantemente são contaminadas.

As novas leis da ciência — a partir da fórmula de Einstein sobre a energia e a matéria, e a teoria da grande explosão como origem dos milhões de constelações e infinitas estrelas ou outras hipótese — deram lugar a profundas mudanças em conceitos fundamentais como o espaço e o tempo, que atraem a atenção e a análise dos teólogos. Um deles, nosso amigo brasileiro Frei Betto, trata do assunto no seu livro A obra do artista: Uma visão holística do Universo, lançado na última Feira Internacional do Livro de Havana.

Os avanços da ciência nos últimos cem anos impactaram os enfoques tradicionais que prevaleceram durante milhares de anos nas ciências sociais e, inclusive, na filosofia e na teologia.
Não é pouca a atenção que os mais honestos pensadores prestam aos novos conhecimentos, mas não sabemos absolutamente nada do que pensa o presidente Obama sobre a compatibilidade da sociedade de consumo e a ciência.

Entretanto, vale a pena meditar de quando em quando estes temas. Com certeza, não por isso o ser humano deixará de sonhar e de levar as coisas com calma e nervos de aço. Este é o dever, ao menos, daqueles que escolheram o ofício de políticos e o nobre e irrenunciável propósito de uma sociedade humana solidária e justa.












Publicado no sitio do periódico Granma

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