segunda-feira, 7 de setembro de 2009

EM DEBATE: Quanto vale o Haiti?

Desde o início do ano, são recorrentes as manifestações no Haiti pelo aumento do salário mínimo. O país paga, atualmente, 70 gourdes por mês para um trabalhador – isto equivale a R$ 3,50 por dia. Os trabalhadores pedem que um novo salário mínimo seja fixado, pagando 200 gourdes por mês – cerca de R$ 10 por dia. A lei chegou a ser aprovada pelo Parlamento em abril, mas para ser oficializada precisaria que o presidente, René Préval, publicasse no jornal oficial do país.

Pressionado pelos empresários no Haiti, o presidente se nega a promulgar a lei. As manifestações são duramente reprimidas tanto pela Polícia haitiana quando pela Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), que está há mais de cinco anos no país e é comandada por tropas brasileiras.
As mobilizações no Haiti contam com forte atuação dos estudantes.
Em entrevista à Radioagência NP, o estudante da Universidade do Estado do Haiti, Nixon Boumba,relatou a situação do país.


Radioagência NP: Como se desenrolou a busca pela aprovação da lei que aumenta o salário mínimo no Haiti?

Nixon Boumba:
A lei foi submetida ao Parlamento há dois anos. Esta lei pretendia ajuizar o salário mínimo de 70 gourdes para 200 gourdes. Depois de dois anos, foi levada ao Parlamento e debatida até fevereiro de 2009 e a Câmara dos Deputados aprovou a lei. Conforme a Constituição, a lei foi votada e faltou apenas ser publicada no jornal oficial do governo, precisando, portanto, ser aprovada pelo presidente. Acontece que, mesmo após os votos favoráveis da Câmara, a lei acabou sendo bloqueada pelo presidente. E o patronato declarou que iria fazer o que pudesse para impedir que a lei fosse promulgada no jornal oficial, e então o presidente fez objeções à lei e não a promulgou. Então, vemos que tudo funciona a serviço de uma luta de classes, em que o Estado se posiciona ao lado da classe dominante.

RNP: Este reajuste estava previsto pela Constituição do país?

NB:
Sim, a lei diz que é preciso ajustar os salários em função da taxa de inflação. Cada vez que a inflação passa dos 10% ao ano, se faz o reajuste no salário mínimo. Desde 2006, a taxa de inflação passou dos 40%, portanto é ilegal a recusa do governo.

RNP: A partir disto começou uma forte onda de protestos no Haiti. Como foi isto?

NB:
Desde abril, foi lançada uma manifestação no país pelos setores progressistas junto aos estudantes e trabalhadores por causa do salário mínimo. Organizações participaram das mobilizações feitas em frente ao Ministério dos Assuntos Sociais. Construímos um coletivo chamado “Para Outro Primeiro de Maio”. Com este coletivo organizamos uma grande manifestação que foi reprimida pelas forças da ordem, pela Polícia, que inclusive utilizou gás lacrimogêneo. A repressão foi selvagem e colocou dezenas na prisão. Ainda temos companheiros presos, vitimas de violência civil. Nós vamos continuar a mobilização, não apenas pela liberação dos presos, mas sim pela melhoria das condições de trabalho no país.

RNP: Há mais de cinco anos, a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) está presente no Haiti. Como a Minustah tem agido frente aos protestos?

NB: A Minustah e a Polícia nacional são as forças repressivas, atuando junto ao governo, ao presidente e à Associação dos Industriais do Haiti. Os trabalhadores que se mobilizaram por um novo salário mínimo sofreram repressões da Minustah, que está aqui para garantir a ordem injusta, a ordem da exploração, em um país que tem mais de 80% da população vivendo na miséria.

RNP: É visível a presença dos estudantes na luta pelo aumento do salário mínimo. Como foi feita a aliança dos trabalhadores com os estudantes?

NB:
Fizemos uma proposta de reforma. Entre elas a de uma reforma da universidade para que esta estivesse ligada às necessidades do povo haitiano. A proposta atravessa esta etapa, fazendo com que os estudantes progressistas entendam que a mudança da sociedade se dá de forma mais profunda. Por isso, os estudantes devem se colocar ao lado dos trabalhadores, da classe popular nesta reivindicação. Não havia situação mais importante para que ocorressem transformações do que lutar pela mudança da condição dos trabalhadores haitianos. Se pensarmos em uma perspectiva global de transformação da sociedade. Os estudantes estão do lado dos trabalhadores.

RNP: Prisões, repressão e feridos. Mesmo assim, as mobilizações continuam no país?

NB:
A mobilização continua e é preciso mudar a condição dos trabalhadores e trabalhadoras. Enquanto esta condição não for favorável para as famílias dos trabalhadores, a luta continua.

De São Paulo, da Radioagência NP, Ana Maria Amorim.

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