quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Picasso, o pintor comunista

A galeria Tate de Liverpool prepara uma mostra integral para 2010

Em 1944, a adesão do artista ao Partido Comunista Francês levantou ondas que levaram inclusive ao desmerecimento de suas obras desse período. A exibição “Picasso: Paz e Liberdade” busca, segundo seu diretor, “que o público forme sua própria opinião”.

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Por Jonathan Brown

No dia 4 de outubro de 1944, menos de seis semanas após a liberação de Paris – onde havia se exilado – Pablo Picasso surpreendeu o mundo com o anúncio de que se unia ao Partido Comunista Francês. Seu “alistamento na causa” era um golpe incrível pró-Moscou, um movimento que dividiu os especialistas em arte e política para sempre. Alguns céticos duvidaram de suas convicções e alegaram que era apenas um mero expoente das visões de moda expostas nos círculos intelectuais de esquerda nos quais se movia. Outros supuseram que sua arte nunca recobraria sua velha glória, enquanto o homem se encontrava enredado na cada vez mais amarga batalha de propaganda da Guerra Fria.

Agora, o público terá a oportunidade de formar sua própria opinião sobre o prolongado Período Vermelho de Picasso como membro do Partido Comunista, uma relação que sobreviveu ao levantamento húngaro e à Primavera de Praga, e que o artista manteve com fidelidade até sua morte em 1973. Uma grande exibição que inclui mais de 150 trabalhos do pintor espanhol será aberta no próximo ano na Tate de Liverpool, com o intento de projetar nova luz em um capítulo controverso de uma carreira extraordinariamente produtiva. Entre os destaques da mostra estará o monumental “The Charnel House”, que não era vista na Inglaterra há mais de meio século, inspirado nas imagens de campos de concentração liberados. A exibição, montada em colaboração com o museu Albertina de Viena, apresentará “La violación de las sabinas”, recriação do célebre “Rapto de las Sabinas” criado no auge da crise dos mísseis cubanos em 1962. Na mostra também haverão exemplos e desenhos da pomba da paz que se converteria no instantaneamente reconhecível símbolo do movimento mundial pela paz.

Rapto de las Sabinas

Picasso: Peace and Freedom (Picasso: Paz e Liberdade), que sucede a exitosa exibição de 2008 sobre Gustav Klimt, é resultado de anos de planejamento e uma exaustiva investigação que levou os especialistas ao Instituto Picasso em Paris, onde se conserva boa parte da correspondência do artista. Christoph Grunenberg, diretor da Tate Liverpool, tem a esperança que a partir dessa mostra o público possa ter uma apreciação mais sutil do artista nos anos posteriores a 1945. “É olhar Picasso durante a Guerra Fria, distanciar-se do seu mito como gênio criativo e playboy com um compulsivo talento expressivo, para ter uma visão com mais nuances”, assinala o diretor. “As pessoas trataram de desmerecer seu compromisso político, mas ele foi membro ativo e completo do partido, e estava claramente envolvido no movimento pacifista”, completa.

Uma das coisas que resultava curiosa da associação entre Picasso e os comunistas era que o partido adotava oficialmente a escola do realismo social, em oposição oficial ao movimento moderno do qual o “decadente” Picasso era quem sabe o maior expoente. Contudo, seu largo exílio da Espanha natal por sua oposição ao regime do general Franco, combinado com as brutais experiências da vida durante a ocupação nazista de Paris, levaram-no a ver o comunismo como um ideal de paz e a chave para um mundo livre do fascismo. Naquele momento, sua decisão desenrolou uma série de conseqüências. Houve protestos de grupos de direita em suas exibições e lhe proibiram a entrada nos Estados Unidos. Mas o artista começou a viajar por todo o mundo, apresentando-se em conferências públicas pela primeira vez e realizando doações a causas diversas, incluindo a contribuição de um milhão de francos aos mineiros de carvão franceses em greve. Se uniu a protestos contra a Guerra da Coréia e a execução de Nikos Beloyannis, comunista grego e líder da resistência.

Picasso recebeu o Prêmio Stalin da Paz e o Prêmio Mundial da Paz, que compartilhou com o cantor estadunidense Paul Robeson e o poeta chileno Pablo Neruda, mas recusou receber a Legião de Honra francesa. Em 1953, após a morte de Stalin, o retrato estilizado que Picasso fez do jovem ditador abriu um racha com os comunistas franceses, que criticaram sua falta de realismo. Os acontecimentos na Hungria esfriaram ainda mais a relação, mas Picasso, apesar de suas crescentes reservas, não abandonou o partido e preferiu expressar-se através da prodigiosa produção que caracterizou as últimas décadas de sua vida. É claro, nem todos compraram a idéia do artista como figura central da esquerda. Salvador Dali fez um comentário famoso: “Picasso é pintor, eu também; Picasso é espanhol, eu também; Picasso é comunista, eu tampouco”. Grunenberg crê que é uma visão injusta, e que a queda do Muro de Berlim provocou uma mudança sísmica na apreciação dos seus últimos trabalhos. “Isso já não tem vigência. Há muitas peças fantásticas que serão parte da exibição: Picasso seguiu reinventando-se a si mesmo e começando novos temas. São trabalhos maravilhosos”, conclui.

*Do The Indepentent da Grã-Bretanha. Publicado originalmente na Página/12.

Rastreado em: Prensa Popular Solidária - PCV Miranda

Tradução: Juventude LibRe

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