domingo, 26 de julho de 2009

Congresso de 1971: a trincheira esquecida


*O artigo abaixo serviu de base para a resolução aprovada por consenso no último Congresso da UNE, por iniciativa da Juventude LibRe, que reconhece os esforços dos camaradas que lutaram por manter ativa a União Nacional dos Estudantes, mesmo sob forte repressão do regime autoritário.


Quando o regime militar dissolveu o Congresso de Ibiúna e editou o AI-5, o movimento estudantil viu-se numa encruzilhada crucial: cerrar as portas da UNE, curvando-se ao Terrorismo de Estado, ou manter sua diretoria atuante, assumindo as conseqüências? O Conselho de Novembro (1968) não vacilou: decidiu remontar o 30o Congresso, com os mesmos delegados anteriormente eleitos, que se reuniram em encontros estaduais para dificultar a ação repressiva. O Conselho de Abril (1969) incumbiu-se de homologar o resultado e empossar os novos diretores.

Dois anos depois, o mesmo desafio se recolocou: realizar o 31o Congresso. Os delegados foram eleitos em assembléias limitadas, mas sempre convocadas pelos DAs, CAs, Conselhos de Turma e outras entidades. Os representantes à instância nacional vieram de fóruns descentralizados, com um ou vários estados. Ao todo, participaram quase 200 delegados de base (um por faculdade ou instituto), nos seguintes encontros: um no Norte (PA); três no Nordeste (BA, PE e CE); um no Centro-Oeste (Brasília); um em MG (BH), um no RJ, um em SP e um no Sul (POA).

Na sessão nacional (setembro de 1971), realizada na Baixada Fluminense (RJ), estavam estudantes indicados pelos encontros regionais, que tinham a competência de apresentar o resultado das discussões e tomar decisões. A representação restrita foi indispensável diante da repressão aguda. Estiveram presentes 11 estados. Outros não compareceram por dificuldades materiais ou porque estavam embutidos em delegações regionais. Aprovou-se uma “Carta aos Estudantes”, divulgada em todo o País. Honestino – que substituíra Jean Marc quando de sua prisão – foi eleito presidente. Os demais diretores eram: Alírio (RN), Humberto (PE), Jorge (SP), Luis Oscar e Pedro (RS), Marco Aurélio e Neuton (MG), Maria Emília (BA), Rufino (CE) e Ronald (RJ).

Após minha prisão (agosto de 1972), a diretoria deixou de reunir-se e de editar o jornal “Movimento”. Todavia, seus membros continuaram encontrando-se e atuando. Os assassinatos de Honestino e Humberto representaram novo golpe. Mesmo assim, a UNE permaneceu viva: acompanhou encontros setoriais por áreas, estimulou reivindicações específicas, dirigiu eventos sobre os 50 anos da Semana de Arte Moderna, organizou um show com a velha guarda da Portela e promoveu protestos contra a morte de Alexandre Vanucchi. É certo, portanto, que ainda atuava em 1972 e pelo menos até o final de 1973.

Para manter o trabalho da entidade e proteger-se da prisão, os diretores tiveram de abandonar os estudos e viver clandestinos. Nunca, porém, tomaram a decisão de renunciar aos mandatos. Essa atitude de resistência, sem capitulação e sem derrota definitiva, facilitou a reorganização da entidade no Congresso de Salvador (1979), evitando uma lacuna abissal que secionasse a tradição de lutas e a memória coletiva. O verdadeiro 31o Congresso da UNE, de 1971, é um capítulo da história do movimento estudantil, que não deve perder-se.

Ronald Rocha

Ex- presidente do Centro Acadêmico Edson Luis (IFCS/RJ)

e ex-diretor da UNE (eleito nos Congressos de 1969 e 1971)


Links relacionados:
Artigo "A Une: uma página perdida da história - por Augusto Buonicore"
Resoluções 51º Congresso da UNE - Brasília 2009

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